De nós: a resistência que desata nós

 

De nós: a resistência que desata nós

Síntese do 2º encontro de ceopoesia
 

Na noite de 31 de outubro de 2023, Josy, que conheceu Jair no reisado do Pici e depois nas Manifestações da Gente, espetáculo que iniciou em 2006, prepara os espíritos para a mistura cenopoética: um encontro para falar, cantar, prosar, poematizar e problematizar cenopoesia e práticas linguísticas de resistência. Terreno pronto, Jair Soares, mediador da noite, inicia cantarolando:
 
“Eu quero dizer poesia a céu aberto
Sem me preocupar se é errado ou certo
Poematizar, poematizar e não só
Problematizar [que é importante] o universo”
(Ray Lima)
 
“Da rua para cidade
Entre prosa e poesia
Circula o ser que semeia
O florescer do novo dia
[Da Serrinha!]
Da rua para cidade
Entre prosa e poesia
Circula oser que semeia
O florescer do novo dia”
(Ray Lima)
 
Jair, como ele mesmo brinca, curte uma amarelinha: “[...] um pé na filosofia, dois pés na cenopoesia”. Segue com poema de Ray Lima, entrelaçando palavras que extrapolam a gramática normativa e tradicional, embebendo-se da palavra literária, carregada de sóis, a palavra viva, que também é operária.
 
“[...]Palavra perigo
Palavra operária
Outra palavra
Sente porque vive
O cotidiano das coisas
Palavra dado
Nem estática, nem estatística
Palavra não aceita, insatisfeita
Concebida desde a raiz
Cobiçada pelos ouvidos atentos
Olhos analíticos
Sempre na espreita dos acontecimentos
Palavra carregada de tinta
Em favor dos que tentam às margens
Palavra
Dá sentido aos não sentidos
Nesse, desse mundo”
 
Com alô de Eloá, perspectiva-se uma narrativa plural, um “nós”, e não um “eu”, tão praticado nas metodologias e pesquisas acadêmicas, subentende-se do cenopoeta. Sem nós na garganta, desatados já: “Quem deu esse nó, não soube dar. Esse nó tá dado e eu desato já”, reverbera Jair.  
 
Jair apresenta teóricos de sua pesquisa em pé-e-corpo de igualdade às falas de seus colegas participantes. Uma postura decolonial, sujeito e sujeitos do Sul, que reconstroem seus territórios em suas falas e ações. Desterritorializam dados indicadores de violência, produzindo territórios de paz, resistência e esperança: uma faz, com palavras, amor e transgressão. Outro faz do rap sua arma-revolução. Em comum, todos enfretam situações limites e descaso de políticas públicas, fazendo resistência.
 
Após partilha do lirismo e luta multiplicados por Jair, perguntou-se sobre as linguagens com as quais nos encontramos com a cenopoesia. Chuva de sementes:
 
Claudiana Alencar apresenta aspectos dialéticos da cenopoesia, apontando-a como elemento que denuncia, mas também anuncia, problematiza e poematiza.
 
Babu comenta a poética no enfrentamento ao capitalismo e ao fascismo, fúria dirigida para a transformação humanitária.  
 
Fátima anuncia que sempre existirá um “nós”, apesar das tentativas do neoliberalismo em nos dividir. Complementa, inspirada pelo toque do outro, sobre necessidade de abraçar e ser abraçada por outras pessoas.   
 
Nathali nos conta sua experiência com a cenopoesia em seu campo de atuação, a psicologia. Com a criação de autonomia e afetos, a cenopoesia a permitiu diversos encontros. Atualmente, atuando com um grupo de idosas, Teatro Renascer, mais que criar peças, constroem vínculos, buscando as potências no repertório de cada uma. E canta(m) articulando novos gestuais e performances para sua geração:
 
“Eu vi o sol nascendo ali
E vi uma velhinha assim [encolhida ou aflorando?]
Com a trocha desse tamanho
E água um tiquinho assim
 
Lava, lava, lavadeira
Quanto mais lava, mais cheira
Lava, lava, lavadeira
Quanto mais lava, mais cheira
 
Que cheirinho!”
(Cancioneiro popular)
 
Amyla, artista de busão, canta e problematiza a guerra enfrentada por milhares:
 
“Oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh…
É triste a condição do pobre na terra (2x)
Rico quer guerra, pobre vai na guerra
Rico quer paz, pobre vive em paz
Rico vai na frente, pobre vai atrás (2x)
 
Pobre só pensa no arroz e no feijão (2x)
Pobre não se envolve nos negócios da nação
Pobre não tem nada com a desorganização”
 
Encerrou-se celebrando o encontro e fazendo fotos:




Fortaleza, 16 de novembro de 2023
Gílian Gardia Magalhães Brito
Professora e cenopoeta