NARRATIVAS DO SARAU CULTURAL VIVA A PALAVRA NA COMUNIDADE SERRINHA EM FORTALEZA-CE


Por Jair Soares de Sousa- bolsista do Programa Viva a Palavra

Minha palavra, minha palavra dada, palavra à margem da folha ou da tela programada. Minha palavra, não essa palavra viciada em vírgula, ponto, ponto e vírgula. Palavra, vírgula: rolha de botella, bebedice literária. Palavra-perigo, palavra-operária, outra palavra, sente porque vive o cotidiano das coisas.
Palavra-dado, palavra nem estática nem estatística, palavra não afeita insatisfeita, concebida desde a raiz, cobiçada por ouvidos atentos. Olhos analíticos sempre na espreita dos acontecimentos, palavra carregada de tinta que tentam às margens. Palavra dá sentido aos não sentidos nesse, desse mundo; no calor do colo das significações causa pressão no foco do poema, craterizando o olhar, lavaninzando a visão do leitor.
Palavra mítica, mídia megera, assassina de deuses desde a ressignificação infinita das coisas. Palavra em preto e branco, Palavra, não dados, não jogados, palavra sentido sem festa de sentidos.
Palavra refilo do papel em branco, Palavra mal-educada, saudavelmente nojenta, palavra nascimento, sepultura, palavra que de regra é: re-escrita, releitura, reinvento, revolução(LIMA, pag.14-29).

A palavra ou as palavras que pulsam nas diversas comunidades fizeram-se voz e expressividade no bairro Serrinha, localizado na 4ª região administrativa de Fortaleza, neste sábado, 27 de agosto de 2016. Vivência protagonizada pelos diversos atores atrizes sociais da comunidade como crianças, adolescentes, jovens e adultos por meio do Sarau Viva a palavra, atividade do programa de extensão da Universidade estadual do Ceará-UECE.

A prosa teve inicio com a oficina de flauta doce, ministrada pela facilitadora, professora Jaquelânia Aristides Pereira, na escola comunitária Giuliana Galli, com jovens da escola Jáder de Carvalho. No mesmo território, os tambores ecoaram na Praça da cruz grande a partir de uma vivência musicopercussiva facilitada pelo bolsista Jair Soares, com um grupo de crianças e adolescentes que brincavam na praça.

O por dol sol foi chegando ao som do samba, vibracionado pela energia e felicidade das crianças e adolescentes da comunidade Serrinha. Em meio às descobertas com os sons dos tambores, surgiam também as narrativas infantis sobre a violência naquela comunidade, as crianças mencionavam:


" Cuidado tio! Pois hoje tem jogo de futebol e pode haver bala por aqui" ( Carlinhos-nome fictício).

A frase dita com sentimento de medo e verdade pela criança demonstra a realidade do território, os desafios e ao mesmo tempo potencialidades presentes neste espaço de vida, chamado Serrinha. Mesmo com a frase que em poucos instantes gerou preocupação, saimos para uma outra frase que conduzia-nos para criar e produzir nossa sonoridade potencializadora das nossas energias e esquecer o cenário desafiador das situações de violência tão presentes naquela lugar.

Partindo para a cadência rítmica do samba, descobríamos que a música nos fazia bem e que cada tempo musical que era assimilado e efetuado pelas crianças era a expressão máxima de sua felicidade e satisfação, fazendo assim, esquecer, ao menos por alguns instantes, a realidade da violência local. A oficina vai chegando ao fim, os gestos de gratidão são expressos nas palavras e frases do grupo. ----- Ei tio! Quando vai ter de novo? Pergunta um dos participantes sorrindo para mim.

A noite chega e o menestrel educador social Robson Babu inicia de forma teatral a abertura do encontro: Senhoras e senhores! Está começando! Mais um Sarau! Viva a palavra! Os participantes respondem o coro com alegria e empolgação. A professora e coordenadora do projeto Claudiana Alencar acolhe os participantes com as boas vindas e deixa o microfone aberto para o poeta da comunidade Edmar Eudes recitar o primeiro poema da noite.

As crianças vão ocupando os espaços, a juventude timidamente vai garantindo acento nas arquibancadas, os adultos ficam aos arredores escutando todo o movimento. As expressões da arte vão ganhando corpo, palavra e expressão dentro de um movimento sinérgico em que cada linguagem vai se entrelaçando como um processo que eu ouso chamar de simbiose cultural periférica, ou seja, a junção mútua de organismos locais vivos, pulsantes e criativos, resultado da produção de vida e criatividade de cada indivíduo em consonância coletiva, para fazer surgir novos modos e sentidos de vida local.

Assim, o Sarau foi ganhando corpo com os diversos diálogos linguísticos possíveis a partir do desejo de expressar algo para o mundo e as pessoas. Os poemas, as músicas, as intervenções teatrais, o som dos tambores, os versos de protesto gritados pelo jovem Dieguinho, os acordes do violão do músico Cecéu, os ruídos externos, a sirene do carro da polícia, os gritos dos torcedores nos coletivos que passavam na avenida Silas Munguba. Todas essas expressões fizeram parte do Sarau Viva a palavra.

Por fim, o sonho que se faz ação e transformação por meio da arte e do potencial da comunidade, a palavra que se faz ação, formação e possibilidade de mudança da consciência alienada e alienante, para uma outra consciência que possa gerar emancipação, quer da juventude ou dos diversos atores comunitários. Isso se fez possível nesta atividade. O sarau viva a palavra demonstrou uma possibilidade dentre diversas para fazer surgir novos devires comunitários por meio das linguagens da arte e dos processos educativos e de formação cultural.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


LIMA, Ray, JOSÉ, Henrique. Lâminas, ambientação gráfica, Fortaleza: expressão gráfica editora, 2009.