RESQUÍCIOS DE UM DIÁRIO DE CAMPO
Por Jair Soares
Aluno integrante do Programa
Viva a Palavra – Resquício de um diário de campo.
LUTAS
e RESISTÊNCIAS na comunidade Guaribal na Serrinha: Relato do sentir e viver.
Pode parecer mentira, mas foi no dia 1º de abril de 2017 às 17:00 que ocorreu
mais uma edição do SARAU de linguagens e resistências na
comunidade Guaribal, localizada no bairro Serrinha, na 4ª região administrativa
da cidade de Fortaleza. Aos poucos as juventudes da comunidade, estudantes,
atores comunitários, pesquisadores (as), professores, extensionistas do
programa Viva a Palavra, movimentos sociais e culturais foram dando o tom do
encontro. O som das batidas de RAP do movimento
HIP HOP HGO foram
acolhendo os participantes.
A linguagem do RAP,
tão potente nas comunidades de Fortaleza e em outras capitais, além do interior
é concebida inicialmente como um discurso
rítmico com rimas e poesias, que surgiu no final
do século XX entre
as comunidades negras dos Estados Unidos. É um dos cinco
pilares fundamentais da cultura hip hop.
Em grande
parte dos Saraus as narrativas da juventude se fazem presentes a partir dessa
linguagem. Destacamos aqui o engajamento e fortalecimento dos SARAUS a partir
das letras do rapper MC Dieguinho. Seus poemas trazem um grito
de indignação, luta e resistência das juventudes.
Então
chega na rima, sarau do VIVA A PALAVRA, voz e violão, poesia, conto, crônica e
flauta! De repente o repente da mente transborda em lágrimas, que agita a
criança e que corre na mãe desamparada. A parada é estudar, se informar, se
organizar para construirmos a revolta popular, para tirarmos do ar
apresentadores sem futuro, que não direcionam suas câmeras para cultura do gueto
que é artigo de luxo. Temer teme o povo, tirano passará mal! (DIEGUIN –
rap/ Partindo o céu da boca, 2017)
Dialogando com a linguagem do RAP outras manifestações foram sendo
expressas e fazendo surgir outros dizeres, como as poesias declamadas por participantes
de outras comunidades, que foram convidados para contribuir no sarau. Aliado as linguagens da arte outras narrativas
foram tecendo o discurso político e cultural do SARAU. O ator comunitário Sr.
Ademar, integrante do movimento Pró-Parque
Lagoa de Itaperaóba, comunicava sobre o descaso com a comunidade Guaribal
por parte dos órgãos públicos municipais.
Problemas de saneamento básico, obras
inacabadas, adoecimento da comunidade, questões de violência, falta de espaços
de lazer para as crianças, etc. Tais questões vêm sendo discutidas no seio
comunitário do Guaribal. Entretanto, parece-me que ainda existe um não
engajamento maior dos moradores que fazem parte do entorno, onde
situa-se o problema.
Esta reflexão nos faz pensar e perguntar o
motivo que faz com que boa parte dos moradores e moradoras fiquem em uma possível
inércia diante dos diversos problemas. Por que
não há um envolvimento maior da comunidade nos processos de luta e resistência daquela localidade? Será que a comunidade se encontra
desacreditada dos processos políticos e de avanços comunitários?
Como será
a atuação das políticas públicas nessa localidade? Como vivem as pessoas na
comunidade Guaribal? Quais são os principais desafios desta comunidade? Qual é o grau de instrução das pessoas que habitam a
comunidade? Como está o índice de desenvolvimento humano daquele entorno? Que
potencialidades existem nesta comunidade? Que movimentos comunitários fazem
parte deste território? Que práticas culturais existem nesse território? Essas perguntas são apenas inquietações
que vão de encontro ao desejo de contribuir com o desenvolvimento local e
comunitário.
A Secretaria Executiva Regional IV (SER IV)
abrange 19 bairros. A Regional concentra
oito áreas de risco e possui a segunda maior emergência do Estado do Ceará,
o Frotinha da Parangaba. Sua população é de cerca de 303 mil habitantes, a
menor entre as seis regionais (cerca de 12,13% da população de Fortaleza).
Metade da população tem idade máxima de até 30 anos. O bairro Aeroporto
apresenta a maior extensão territorial da SER IV, porém é pouco povoado, com
uma população de apenas 8.012 habitantes.
O bairro Parangaba possuía a maior população,
em 2009, com 27.884 habitantes, número de habitantes muito próximo aos dos
bairros Serrinha (27.395 habitantes)
e Montese (27.206 habitantes). O bairro com a menor população desta regional é
Couto Fernandes, com 5.826 habitantes.
A renda média dos chefes de família é de 5,62
salários mínimos. O bairro com melhor média de renda é Fátima, enquanto o
bairro Aeroporto apresenta a pior média de renda da regional, segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM-B) contempla três indicadores: média de
anos de estudo do chefe de família, taxa de alfabetização e renda média do
chefe de família (em salários mínimos).
Quanto
mais próximo da nota 1,0, mais desenvolvido é o bairro. De
acordo com levantamento feito a partir de dados do Censo 2000, dezesseis
bairros possuem IDHM-B médio (entre 0,500 e 0,799). São eles: Benfica, Bom
Futuro, Damas, Demócrito Rocha, Dendê, Fátima, Itaoca, Itaperi, Jardim América,
Jose Bonifácio, Montese, Pan Americano, Parangaba, Parreão, Vila Peri e Vila
União. Por sua vez, três bairros têm índice considerado baixo (entre 0 e
0,499): Aeroporto, Couto Fernandes e Serrinha.
Importante destacar que de acordo com pesquisas
realizadas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza-
SDE e com base em números do senso demográfico do IBGE de 2010, o bairro
Serrinha, onde está situada a comunidade Guaribal, está na colocação 80ª no ranking
de bairros com o nível de IDH abaixo da média. Sua pontuação é o equivalente a
0, 282916147. As referências citadas acima nos ajudam a ter um olhar mais
ampliado em relação aos desafios do território onde situa-se a comunidade
Guaribal.
Um dos pontos
de partida para a realização do SARAU, surgiu da necessidade de
problematizar uma obra de saneamento
básico que não foi concluída no entorno da escola Giuliana Gali. Este
problema estrutural vem gerando diversos problemas para os moradores e
moradoras da comunidade Guaribal. Dentre os diversos problemas destacamos: alagamento das residências, destruição do
parquinho onde as crianças brincavam, proliferação
de doenças, situações onde os riscos de
adoecimento estão presentes etc.
Tal situação fez emergir a necessidade de ampliar
o debate sobre esses desafios no sentido de procurar as melhores maneiras de
sanar os problemas. De acordo com o ator cultural Sr. Ademar, diversos
documentos foram entregues na regional administrativa do bairro. Todavia, até o
prezado momento a comunidade não foi se quer visitada pelos setores cabíveis.
Assim, o SARAU de luta da comunidade Guaribal
vem sendo um caminho metodológico e cultural para potencializar as práticas
culturais e locais das juventudes das periferias, bem como, de fortalecer os
processos de luta comunitária. Compreende-se que a “Arte e o diálogo” presentes
na esfera da cultura são caminhos fundamentais de emancipação e luta política. Essas
práticas artísticas por meio de diversas linguagens têm possibilitado algumas
rupturas na dolorosa totalidade da vida.
Por fim, como aluno e integrante do programa
Viva a Palavra considero importante e necessário o processo de mobilização e
luta comunitária. Acredito que temos muito a aprender com a comunidade e que o
processo de transformação local é gradual e que muitas vezes a comunidade tem o
seu próprio tempo. Esse tempo precisa ser respeitado. Talvez as comunidades
ainda estão nos seus processos de “consciência
ingênua” que é oriunda de um processo histórico de dominação e de exclusão
social. Por isso é necessário ter paciência histórica para compreender esse
processo.
Os procedimentos de saber escutar nos fazem
perceber as contradições e complexidades da vida comunitária. As vezes nós
temos a vontade de modificar determinada situação, porém não percebemos que é
necessário entender primeiramente a realidade local e deixar as pessoas se
descobrirem sozinhas no processo. Neste sentido, penso que a educação popular,
sistematizada a partir dos estudos de Freire, nos possibilita entender de forma
crítica tal questão.
Desta forma, acredito que o processo de luta e
resistência da comunidade Guaribal está delineando-se de forma tímida, porém
com certa intensidade. A prática dos SARAUS tem fortalecido este processo pois
configura-se como um caminho pedagógico e político, onde nós estudantes,
juventudes, professores, comunidade e movimentos nos alimentamos e aprendemos
com os espaços comunitários. Outra questão para destacar é que o SARAU tem
possibilitado o encontro de diversos campos de conhecimento, onde o saber acadêmico
dialoga e aprende com o saber popular, e vice-versa.
Cordeliando
o Guaribal
SENHORAS E SENHORES
PRESTEM MUITA ATENÇÃO
VAI TER INICIO MAIS UM SARAU
É A TERCEIRA EDIÇÃO
HOJE A PROSA VAI SER MISTURADA
NA BATIDA DA CANÇÃO
TEM RAP E HIP HOP
POESIA E VIOLÃO
TEM CANTADOR E LIDERANÇA
TOCADOR DE CASTANHOLA
DOUTORA POETISA
COM O POEMA NA CAIXOLA
A ARTE É LEVE
O ABRAÇO CALOROSO
MAIS O ASSUNTO É MUITO SÉRIO
E O PROBLEMA É PERIGOSO
TEM GENTE NO MEIO DA LAMA
POIS A CHUVA JÁ CHEGOU
A PREFEITURA PASSOU POR PERTO
MAS NEM SE PREOCUPOU
APARECEU UM DIA DESSES
UM POVO DA REGIONAL
TUDO DE PALITÓ
PARECIA UM FUNERAL
NO MESMO DIA FOI EMBORA
O ASSESSOR ESCAFEDEU
NO OUTRO DIA O BICHO AMARELO
E O BURACO APARECEU
NO MEIO DE UM SERVIÇO SEBOSO
UM CALÇAMENTO APARECEU
O ENGENHEIRO PASSOU FOI LONGE
FOI ISSO QUE SUCEDEU
TAMPARAM OS BURCACOS
NO MEIO DA CORRERIA
ESQUECERAM ATÉ PÁ
NO MEIO DA GALERIA
FORAM TUDO EMBORA
NÃO OLHARAM NEM PA TRÁS
NO OUTRO DIA VEIO A CHUVA
ADENTRANDO OS QUINTAIS
FOI CORRERIA E AVOROSSO
AVECHAME DOS PIÓ
CORRE DONA MARIA
QUE A COBRA É DE CIPÓ
NO MEIO DO CHUVUEIRO
VEIO A INDIGNAÇÃO
COMO É QUE A PREITURA
FAZ ISSO COM O CIDADÃO
DEIXOU TODO MUNDO
EM TAMANHA AFLIÇÃO
PERDEMOS GALEDEIRA
TÁBUA DE ENGOMAR E FOGÃO
NO MEIO DA MADRUGADA
COM A PICARETA NA MÃO
ABRIMOS UM BURACO
PRA ESCORRER O ALUVIÃO
O TEMPO TÁ PASSANDO
NINGUÉM APARECEU
FOMOS NA REGIONAL
MAS NINGUÉM NOS ACOLHEU
MAS NÃO VAMOS DESISTIR
EM MEIO A DIFICULDADE
POIS SOMOS CIDADÃOS
E GENTE DESSA CIDADE
NOSSO GRITO CONTINUA
ESSA LUTA É GUARIBAL
REIVINDICAR NOSSOS DIREITOS
NO PALCO DO SARAU
POIS A PALAVRA É VIVA
DOTADA DE AÇÃO
COMUNIDADE REUNIDA
EM MOVIMENTAÇÃO